Falar de autismo é hoje para mim um tema doloroso. Aquele que outrora foi a área de entrega e descoberta, de repente foi manchada por uma nuvem negra que dificilmente se apagará. Não, não vou falar do assunto, muito menos escrevê-lo, que o simples teclar também me dói. Carrego comigo uma dor difícil de sarar. Um luto físico efectivo, de quem perdeu um dos seus mestres. Tinha apenas 12 anos. Demasiado cedo. Demasiado trágico. Demasiado doloroso.
E porque hoje se comemora o DIA INTERNACIONAL CONSCIENCIALIZAÇÃO DO AUTISMO, senti este ímpeto de lembrar, o quanto feliz sou, por hoje ser um pouco autista também. Sim, porque com eles me deixei contagiar na motivação, na perseverança, na alegria, na organização e rotina, na transparência e sobretudo na sinceridade.
Assim o eram os meus pequenos mestres. Aqueles que se dizia terem uma perturbação do neuro-desenvolvimento. Aqueles que foram rotulados e catalogados com as castas das uvas. Esses mesmos que me transformaram na pessoa que hoje sou.
Esta gente cheia de luz, que habitam os seus mundo coloridos, cheios de estereotipias e flappings e que nos seus silêncios ruidosos me disseram como eu devia ser todos os dias: feliz e sincera com os meus sentimentos.
Eram felizes os meus mestres. E ainda hoje o são. Ensinaram-me que a diferença é minha. Está na minha cabeça e no meu preconceito. Ensinaram-me que eu é que não os compreendo, porque eles a mim, conhecem-me bem.
Deixo-vos hoje com uma mensagem, já muito conhecida sobre esta MALTA DO BEM. Para que os conheçam e os amem como eu.
1- Antes de tudo eu sou uma criança. Eu tenho uma Perturbação do Espectro Autista . Eu não sou somente “Autista”. Tal como tu, sou uma pessoa com pensamentos, sentimentos, capacidades e talentos. Entra no meu mundo que eu entrarei no teu e sobretudo percebe que o meu autismo não é igual a mais nenhum, tal como cada criança é sempre diferente da outra. E mesmo apesar deste meu rótulo, sou uma criança como outra qualquer. Lida comigo assim.
2- Posso ter dificuldades no discurso. Tenta perceber-me e não me apresses. Dá-me pistas comunicativas e visuais. Sou bom na percepção visual: usa esta minha área forte para trabalhares as minhas áreas mais fracas.
3- Os meus sentidos, principalmente a audição são muito sensíveis. Muitas pessoas a falar ao mesmo tempo, música alta, barulho intensos, telefones a tocar, crianças a chorar…podem fazem-se sentir desorientado. Se achas que devo habituar-me a estes ambientes, pois são importantes para a minha inclusão na sociedade, então fá-lo com calma. Sem pressas. Usa o meu ritmo e não desistas de mim.
4- Como já disse o meu sentido principal é o da visão e é nele que deves apostar para me ajudares. Usa primeiro fotos minhas com as minhas rotinas. E depois, assim que as for reconhecendo, usa imagens do Sistema Pictórico de Comunicação (SPC). Assim vou crescendo de patamar em patamar, até aprender a comunicar contigo e com os outros/as. Verás que sou capaz!
5- Quando falas comigo, não é que eu não te oiça. Muitas vezes não te compreendo. Quando me chamas do outro lado da sala, isto é o que eu oiço: “BBBFFFZZZZSWERSRTDSRDTYFDYT Mário”. Em vez disso, vem falar comigo directamente e diz-me: “Mário, por favor, arruma o jogo. Está na hora de almoçar”. Assim vou entender-te melhor.
6- Eu sou um “pensador” concreto, posso ter dificuldades em fazer abstracções. Posso não compreender gírias, piadas, duplas intenções, indirectas ou sarcasmo. Fala comigo diretamente e usa palavras simples, sem duplos sentidos.
7- Muitas vezes o meu vocabulário é limitado. É muito difícil dizer-te o que quero e o que sinto. Posso estar com fome ou com medo, mas estas palavras estão para além da minha capacidade de expressão. Ajuda-me nisso. Dá-me pistas facilitadoras de comunicação. Constrói comigo cartões para iniciar conversações ou responder às questões que me colocam.
8- Outras vezes pareço um papagaio e repito as palavras. Na verdade, são palavras que eu memorizei do mundo ao meu redor. A isto chama-se ECOLÁLIA. Nao te preocupes quanto maior for a minha ecolália, mais próximo está o meu discurso espontâneo. Terás apenas de ser paciente.
9-Pode parecer que não quero brincar, mas muitas vezes, simplesmente não sei como entrar na brincadeira com os meus pares. Através de fotos ou imagens posso aprender a socializar, sobretudo se estiver SEMPRE com os meus colegas. Eles podem também ajudar-me se forem meus amigos tutores. Não me afastes das outras crianças. Crescerei melhor ao lado delas.
10- Não sei “LER” a expressão facial ou as emoções dos outros. Ensina-me como devo comportar-me. Se eu me rir quando o colega cai do escorrega, não é que eu ache engraçado, é que não sei como agir socialmente. Tu podes ajudar-me também aqui. Trabalha comigo, desde cedo, as emoções. Vais ver que com o tempo aprenderei muita coisa, até a dar e receber afetos. E sim, eu gosto de afetos.
11- Perco o controlo quando um ou mais dos meus sentidos foi estimulado ao extremo. Se conseguires descobrir o que causa a minha perda de controle, isso poderá ser prevenido ou até evitado.
12- Vê a minha diferença como uma habilidade e não como uma incapacidade. Talvez seja verdade que eu não seja bom a conversar, mas sabes que não minto, nem julgo outras pessoas. O mesmo não poderás dizer de muita gente que te rodeia.
13- É verdade que preciso de muitos estímulos para crescer, mas com a tua ajuda e com a minha capacidade de atenção e de concentração no que me interessa e no que me motiva, eu posso ser o próximo Einstein, Mozart ou Van Gogh. Eles também tinham autismo!
Sem a tua ajuda as minhas hipóteses de alcançar uma vida adulta digna serão pequenas. Com o teu suporte e guia, a possibilidade é maior do que pensas. Tu, meu colega, meu amigo, meu professor ou minha família: todos vocês me podem ajudar a crescer como um cidadão. Prometo: EU VALHO A PENA.
Todos/as juntos por esta causa.
Orgulho da minha gente ❤
Kiss, kiss. Bang, Bang!